SINOPSE: Os cinco jovens de Dois Rios são separados, cada um enfrentando desafios pessoais e a crescente ameaça do Tenebroso. Enquanto Rand tenta dominar seus poderes, os outros lutam para encontrar seu lugar no mundo, com Egwene e Nynaeve começando seu treinamento como Aes Sedai, Perrin lidando com seus poderes de lobo e Mat com os efeitos de uma adaga mágica. A temporada também explora o vínculo entre Moiraine e Lan, e a crescente ameaça dos abandonados, os tenentes do Tenebroso.
“A Roda do Tempo” é uma saga literária com quatorze volumes, totalizando mais de dez mil páginas. Essa epopeia escrita por Robert Jordan e finalizada por Brandon Sanderson (que foi convidado pela esposa do autor para escrever o livro final e que acabou virando três volumes), foi indicada ao prêmio Hugo após sua conclusão e vendeu mais de noventa milhões de cópias em todo o mundo.
A série literária baseia-se em vários elementos do budismo e do hinduísmo, como os conceitos metafísicos de equilíbrio e dualidade, e semelhanças com o “Criador” (Luz) das religiões abraâmicas e Shai’tan, “O Tenebroso” (Shaitan é uma palavra árabe que, em contextos islâmicos, é usada como um nome para o Diabo ou o Satã). Também foi parcialmente inspirado em Guerra e Paz de Leo Tolstoy. “A Roda do Tempo” trouxe também algo até então inédito para as obras de fantasia: a questão política e as tramas que envolvem esse tema. A obra de Robert Jordan influenciou escritores como Brandon Sanderson e George R. R. Martin.
“A Roda do Tempo” está entre as minhas leituras de fantasia preferidas de todos os tempos e por isso fiquei muito feliz quando A Amazon Studios em parceria com a Sony Pictures, anunciaram a série de TV e streaming baseada nessa saga literária.
2ª Temporada: A Roda Empenou
Com a ideia de adaptar um livro por temporada (algo que sempre duvidei, porque seriam 14 temporadas), o segundo ano da série prometia ser a mais pesada dos livros que li, pois insere os Seanchan, um povo vindo do outro lado do grande oceano, que se declaram como descendentes diretos de Arthur Paendrag Tanreall, o primeiro Ta’veren, que unificou todo o continente conhecido no passado.
Os Seanchan têm o objetivo de reivindicar o continente, pois acreditam ser seu por direito, já que são descendentes de Arthur Asa-de-Gavião. O problema é que as mulheres que podem canalizar o Poder Único, são escravizadas e encoleiradas, para serem utilizadas como ferramentas.
Em “A Grande Caçada”, segundo livro de “A Roda do Tempo”, a violência física e psicológica que as canalizadoras sofrem nas mãos dos Seanchan é bastante gráfica, o que pode tornar a leitura nesses momentos, bastante desconfortável. Através de um objeto mágico as manipuladoras do Saidar, usam uma coleira que está ligada por uma corrente a um bracelete, que está de posse de uma mulher que as controla. O tratamento entre a portadora do bracelete e a encoleirada é quase como a de um animal: se se portar bem, ganha um elogio e um mimo, se desobedecer, será punida.
Mas na série, esse tratamento degradante é bem atenuado, e dessa forma, vemos os Seanchan bem menos implacáveis do que em “A Grande Caçada”. Acredito que essa decisão visasse atenuar as críticas que a série pudesse sofrer ao mostrar o tratamento descrito nas páginas da obra literária que as encoleiradas sofriam. Minha opinião, é que tirou bastante da aversão que tinha por esse povo e dessa forma, minha reação foi quase nula quando comparado ao que senti quando eles tiveram o que mereciam no livro.
Outras mudanças importantes em relação ao material original envolvem a Trombeta de Valere, objeto que incita a Grande Caçada. Quem toca o objeto mágico continua sendo a mesma pessoa na série, mas o evento que isso desencadeia: invocar os heróis das eras para batalharem junto com o Dragão Renascido contra o Tenebroso, foi bem chinfrim quando comparado à forma como é descrito no livro. Aliás existe uma consequência pela Trombeta ter sido tocada que na série é simplesmente deletada.
Minha sensação é que a segunda temporada é um passo atrás em relação ao primeiro ano, pois tudo me pareceu corrido demais, superficial demais em relação ao material original. Novamente, os responsáveis pela série utilizaram os pontos-chaves de “A Grande Caçada”, mas arranhando somente a superfície desses momentos tão importantes do segundo livro.
Para não falar que a segunda temporada é um perde de tempo completa, gostei do aprofundamento de Rand al’Thor em relação ao seu papel na grande batalha contra o Tenebroso e sua luta para controlar o maculado Saidin. Rand começa a ter a noção do quão inebriante é utilizar o Poder Único e também começa a sentir os efeitos a sua sanidade. E para ajudá-lo nessa empreitada, temos Lanfear (Natasha O’Keeffe) uma das Treze Abandonadas, que tem uma relação de obsessão amorosa pelo Dragão Renascido.
E falando no Abandonados, achei que veria mais ação e perigo para nossos Ta’veren e amigos, mas até esses seres de imenso poder foram nerfados. E por que pensei isso? Porque os Abandonados são canalizadores do Poder Único que, na Era das Lendas, se voltaram para o lado da escuridão, atraídos pela promessa de imortalidade pelo Tenebroso, sendo considerados os mais poderosos canalizadores que já existiram, abaixo apenas de Shai’tan e do Dragão Renascido, e sua influência e maldade são sentidas ao longo das eras.
Ao final da segunda temporada, fiquei bastante decepcionado e preocupado. Decepcionado porque tudo que o primeiro ano prometia, em termos de grandiosidade, foi meio que jogado no ralo. E decepcionado, pela série desperdiçar o potencial gigantesco que o segundo livro de “A Roda do Tempo” possui.
3ª Temporada: A Roda Volta a Girar Com Toda a Força do Poder Único
Depois do que vi no segundo ano da série, estava bem desgostoso e nada ansioso para assistir à terceira temporada de “A Roda do Tempo”. Mas um pouco antes da estreia, a Amazon Studios divulgou um pedaço do primeiro episódio da nova temporada. E o que foi mostrado, mostrou que os responsáveis pela produção estavam dispostos a mudar o rumo das coisas e trazer uma história que merecesse o voto de confiança das pessoas que leram os livros e acompanhavam a série até agora.
O tom da terceira temporada de “A Roda do Tempo” é sangrento, brutal e com consequências terríveis para os envolvidos no Padrão e principalmente para àqueles que utilizam o Poder Único. O nível de violência empregada nos episódios até destoa do que me lembro ao ler os livros, mas não deturpa ou foge do que pode ser quando pessoas que podem utilizar a energia que move a Roda.
Não sei se houve um puxão de orelha por parte da Amazon Studios e da Sony, mas o criador da série, Rafe Judkins, dá um verdadeiro 360° na narrativa da série e traz algo épico e incrível, honrando a grandeza dos livros de Robert Jordan.
A violência gráfica da terceira temporada faz sentido pois a presença da Ajah Negra, o grupo de Aes Sedai que juraram fidelidade do Tenebroso, e dos Abandonados, os canalizadores corrompidos mais poderosos das Eras só podem resultar em um banho de sangue. Aliás se os Abandonados foram nerfados no segundo ano da série, aqui se não vemos toda a extensão e seus poderes, podemos ver toda a malignidade e inescrupulosidade deles, pois seus interesses e ambições pessoais se sobrepõe à sua fidelidade ao Tenebroso.
As sequências envolvendo a utilização do Poder Único estão espetaculares e mostram toda a grandiosidade e perigo que envolve a manipulação do Saidin e Saidar. Qualquer cena envolvendo essas energias elementais estão primorosas e impecáveis.
Existe também um cuidado maior com o desenvolvimento dos personagens, algo que foi feito de forma competente no primeiro ano e de forma desleixada na segunda temporada. Moiraine, Rand, Perrin, Nynaeve, Liandrim, Lanfear, Mogedien, Siuan Sanche, entre outros; todos ganharam seu momento em tela e tiveram sua importância mostrada nesse tabuleiro intricado que a Roda teceu.
Os grandes destaques nesse vasto grupo de personagens, fica por conta de Moiraine e Rand, que foram melhores aproveitados e com isso, tiveram sua importância para a trama da série destacada. E o ápice deles acontece no episódio “O Caminho para a Lança”, quando Rand precisa dar passos em direção ao passado, vendo vários de seus antecedentes, até a Era das Lendas, para entender sua jornada e se tornar o Car’a’carn, líder dos Aiel, que trará a glória e destruição desse povo do deserto. Enquanto isso, Moiraine precisa ver as possibilidades de seu futuro, e em todas as ramificações, seu destino é a morte.
Aliás o episódio “O Caminho da Lança” é o mais espetacular de “A Roda do Tempo” e um dos mais incríveis que já vi em séries.
O desfecho da terceira temporada possui várias revelações, mas a mais impressionante é a de Rand se declarando o Car’a’carn e revelando o passado dos Aiel, algo vergonhoso que somente os líderes desse povo sabem. Ao se autodenominar líder supremo dos Aiel, ele usa o Saidin e faz chover em pleno deserto e se deixa consumir pelo poder maculado do Poder Único, mostrando que o Dragão Renascido pode ser aquele que salvará o mundo, mas também será aquele que o quebrará.
A terceira temporada faz algumas mudanças em relação ao material original, que mostram que a série seguiria alguns caminhos próprios. Um deles é revelação à Rand enquanto caminha em direção à Era das Lendas, que foi Lanfear, na época, uma cientista Aes Sedai, quem perfurou a realidade ao tentar utilizar o Poder Único, dando ao Tenebroso acesso ao mundo. Outras Alterações envolvem as mortes de Moiraine e Siuan Sanche (Sophie Okonedo), que nos livros são retratadas de forma bem diferente.
A terceira temporada encerra com Rand como o Car’a’carn de uma parte dos Aiel e iniciando sua jornada ambígua como o Dragão Renascido e com uma batalha entre Aes Sedai e os Abandonados agindo cada um benefício próprio. Todos esses ganchos deixaram uma expectativa gigantesca para a quarta temporada, que não vai acontecer.
Cancelamento da Série: O Tenebroso Venceu
Lendo alguns artigos e reportagens, vi que a terceira temporada de “A Roda do Tempo” foi um sucesso entre o público e crítica, a ponto da Amazon Studios e Sony Pictures tomarem a decisão de inscreverem a série nas principais premiações.
Porém, essa semana fui surpreendido com a notícia que a Amazon Studio resolveu cancelar a série. Mesmo alcançando o primeiro lugar no Prime Video em vários países, o desempenho geral da terceira temporada não foi forte o suficiente em comparação com o custo da série para que o Prime Video se comprometesse com outro ano.
Segundo as companhias produtoras, o final do terceiro ano foi projetado para oferecer algum encerramento à série. Essa declaração me revolta ainda mais, pois quem assistiu à temporada atual sabe que não existe desfecho nenhum. Muito pelo contrário, ficaram vários ganchos ótimos a serem explorados no futuro.
Não é novidade esses cancelamentos abruptos acontecerem, e entendo a questão de que estúdios e produtoras de filmes e séries querem dinheiro, e como “Westworld” da HBO, “A Roda do Tempo” é mais uma ótima série vítima do binômio custo x receita absurda.
Minha esperança, assim como “Westworld”, é que a Amazon Studios e Sony Pictures façam pelo menos mais uma temporada para encerrar a história iniciada e não nos deixar órfãos de respostas. Porém, se isso acontecer, meu medo é que o orçamento seja bem menor que dos anos anteriores e vejamos algo bem aquém do que “A Roda do Tempo” merece.
No fim, “há de ser o que a Roda tecer”. E espero que a Roda nos dê pelo menos um encerramento para essa história.
Outro ponto negativo resultante do cancelamento da série, é que os leitores brasileiros podem ficar com a saga literária incompleta. A Intrínseca, detentora dos direitos da obra, com certeza se aproveitava do hype da produção para lançar novos volumes. Em um contato informal com a editora, me informaram que o nono livro de “A Roda do Tempo” sairá até o final de 2025, que pode ser o último, restando cinco volumes, e lançando a saga literária no enorme cemitério literário fantástico que o Brasil possui.
“A Roda do Tempo”: Veredicto
“A Roda do Tempo” com sua terceira temporada tinha se firmado como a melhor série fantástica da atualidade, muito à frente da insossa “O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder” e “House of Dragons”. Sem o hype que essas duas produções possuem, “A Roda do Tempo” trouxe uma narrativa envolvente e empolgante e um tom épico que toda história de fantasia merece. Além disso, seus personagens são mais empáticos e capazes de criar conexões conosco, algo que as produções baseadas nos livros de Tolkien e George R. R. Martin, não conseguem.
Por esses motivos, só posso dizer que mesmo cancelada, vale muito a pena assistir “A Roda do Tempo”!
Ficha Técnica:
Título Original: The Wheel of Time
Título no Brasil: A Roda do Tempo
Gênero: Fantasia
Temporadas: 2 e 3
Episódios: 16
Criadores: Rafe Judkins
Produtores: Rafe Judkins, Rick Selvage, Larry Mondragon, Ted Field, Mike Weber, Darren Lemke, Marigo Kehoe, Sanaa Hamri
Diretores: Thomas Napper, Sanaa Hamri, Maja Vrvilo, Ciaran Donnelly, Marta Cunningham,
Roteiros: Amanda Kate Shuman, Katherine B. McKenna, John McCutcheon, Dave Hill, Rohit Kumar, Rammy Park, Justine Juel Gillmer, Rafe Lee Judkins, Timothy Earle, Beverly Okhio, Rafe Judkins, Ajoke Ibironke,
Elenco: Rosamund Pike, Daniel Henney, Zoë Robins, Madeleine Madden, Josha Stradowski, Marcus Rutherford, Barney Harris, Kate Fleetwood, Priyanka Bose, Dónal Finn
Companhias Produtoras: Sony Pictures Television, Amazon Studios
Transmissão: Amazon Prime Video