SINOPSE: O marinheiro britânico Jack Blackthrone (Cosmo Jarvis), naufraga no litoral japonês. Agora se encontra em uma série de conflitos políticos ao chegar ao Japão no início de uma guerra civil. Tendo que lidar com as complexidades da cultura japonesa, acaba envolvido nas intrigas políticas dos daimyos, onde é usado como peão pelo lorde Yoshii Toranaga (Hiroyuki Sanada), que pelo bem do Japão, segundo ele, quer se tornar shogun, líder máximo do país. O trio de protagonistas se completa quando o destino de Blackthorne fica ligado ao da tradutora Toda Mariko (Anna Sawai), uma misteriosa nobre cristã e a última em uma linhagem de sucessão desonrada.

Desde seu anúncio, “Xógum” chamou a atenção não somente por adaptar uma parte do best-seller homônimo de James Clavell, mas por vermos nos materiais promocionais e declarações dos responsáveis, uma produção de escala grandiosa, cheia de intrigas e conspirações, ao melhor estilo “Game of Thrones”.

Se “Game of Thrones” se baseou profundamente na Guerra das Rosas, que se caracterizou por uma série de lutas dinásticas pelo trono da Inglaterra no século XV, o período histórico japonês que o livro de James Clavell se baseia é propício para o desenvolvimento desse tipo de produção. “Xógum” é ambientada em um momento crucial da história japonesa, conhecido como Sengoku Jidai ou Era dos Combatentes. Este período, que se estendeu do século XV ao início do século XVII, foi marcado por uma intensa agitação política, conflitos militares constantes e mudanças sociais significativas.

A série não conta exatamente uma história real, mas é uma versão fictícia de acontecimentos reais. A trama mostra como nasceu o Xogunato Tokugawa, uma dinastia militar que comandou o Japão entre os anos 1603 e 1868. John Blackthorne é baseado na história real do navegador Willians Adams, primeiro navegador inglês a chegar no Japão. Já Yoshii Toranaga é inspirado em Tokugawa Iyeasu, fundador e primeiro xogum da era Tokugawa.

Além da questão política, a obra de James Clavell aborda outras situações desse período histórico do Japão, como a tentativa da Inglaterra abrir relações econômicas com a Terra do Sol Nascente ou a influência da Igreja Católica no país. Ainda não li o livro, mas acredito que essas e outras questões são desenvolvidas mais profundamente.

E se eu estiver correto,  quem leu o livro pode ter ficado decepcionado ao ver que a série não explorou melhor esses aspectos. Mas aqui vou em defesa dos responsáveis pela série: Rachel Kondo e Justin Marks, que decidiram adaptar a parte final do livro.

Um exemplo disso é a questão da Igreja Católica Portuguesa que estava bem inserida no Japão, convertendo a população e interferindo na política do país. E que com a chegada de Blackthorne, viu uma ameaça à posição da Igreja e da Coroa Portuguesa. Mas essa parte é explorada de forma bem rasa.

A trama central, bem como as subtramas, focam nas intrigas políticas dos daimyos, onde Yoshii Toranaga e Ishido Kazunari (Takehiro Hira) disputam entre si o controle do Japão. E é justamente esse ponto que fez com que “Xógum” fosse comparada a “Game of Thrones”, com planos dentro de planos, alianças criadas por conveniência e traições entre “amigos” e inimigos.

E nesse contexto maquiavélico, é válido destacar três personagens. O primeiro deles é Kashigi Yabushige (Tadanobu Asano) que desse trio foi o que mais me surpreendeu. Mesmo não fazendo parte dos protagonistas de “Xógum”, sua presença em cena chama atenção. Yabushige lembra bastante o Petyr Baelish, o Mindinho, de Game of Thrones. Sempre vendo uma forma de lucrar no confronto entre Kazunari e Toranaga, Yabushige não é aliado de nenhum dos daimyos, Sua fidelidade pesa conforme a balança de poder pende, ora para Kazunari, ora para Toranaga.

Mas além dessa malemolência, Yabushige apresenta um carisma e um humor que nos cativam e nos fazem querer que seus planos deem certo, algo que não acontece quando vemos Mindinho de “Game of Thrones” em cena.

Mariko (Anna Sawai) é a personagem que na minha opinião é a representação de personagem feminina forte em séries e filmes. Vivendo em pleno Japão do século XV, onde as mulheres eram completamente subservientes aos homens, ela quebra tradições e barreiras ao ponto de sua opinião ser tão ou mais importante a Yoshii Toranaga que dos seus conselheiros e amigos mais íntimos.

Feminina e sedutora sem ser vulgar, inteligente e perspicaz capaz de rivalizar e superar os daimyos, Mariko lhe conquista logo na sua primeira participação, e quando descobrimos mais sobre seu passado, entendi a admiração e o medo que Toranaga sentia por ela, a ponto de tê-la como seu mais fiel conselheira.

Agora a força do protagonismo, e merecida, diga-se de passagem, é toda de lorde Yoshii Toranaga. No primeiro instante em que ele aparece em “Xógum” você percebe que ele é força-motriz da série, a pedra fundamental de tudo do que está e vai acontecer com os demais personagens e com o Japão desde sua decisão de romper com o conselho de daimyos. Toranaga é carismático e um estrategista brilhante, com planos dentro de planos. Mas o que mais me chamou atenção no personagem, é que ele é implacável e obstinado, a ponto de se aproveitar de tragédias e sacrificar pessoas muito próximas para alcançar seu objetivo.

Toranaga seria comparável a Cersei Lannister de “Game of Thrones” em sua obstinação, mas ao contrário de Cersei, Toranaga é menos frio, sofrendo diante de decisões que envolvem o sacrifício de pessoas próximas. Mas a diferença acaba por aí: Toranaga pode até chorar e se abater diante de tais decisões, porém nem seus sentimentos de dor, luto e culpa o farão recuar.

“Xógum” faz com que você torça para que os planos de Toranaga se concretizem, mas em determinado ponto da série, sua capacidade de sacrificar as pessoas que lhe são mais queridas, me fez odiá-lo na mesma medida em que o admirava.

E John Blackthorne? Apesar de ser um dos protagonistas e ter sua importância para a trama política de “Xógum”, fiquei com a impressão em alguns momentos de que se ele não existisse, a história da série não perderia nada.

Na maior parte do tempo achei que John Blackthorne serviu como contraponto cultural para mostrar as diferenças gritantes da época entre o Japão e a Inglaterra e como pivô de um romance quase proibido. Mas fica aqui minha observação de que o personagem atende ao seu propósito dentro do contexto geral de “Xógum”.

Falando um pouco da parte técnica de “Xógum”, o detalhismo com os cenários, locações, roupas e adereço é impressionante. Junte a isso todo o trabalho para trazer a cultura da época de forma mais verossímil possível e parece que uma janela no tempo foi aberta e estamos vendo e vivenciando o Japão do século XV.

Os criadores da série, Rachel Kondo, Justin Marks, disseram que foram muitos meses de pesquisa e reuniões com historiadores dessa época do Japão para fazer de “Xógum” um retrato fiel do Japão do século XV. Além disso o ator Hiroyuki Sanada, que interpreta lorde Toranaga, foi um dos produtores e consultores da série, que é um grande estudioso e conhecedor desse período do Japão.

“Xógum” impressiona tecnicamente e narrativamente, e desde seu primeiro episódio alçou excelentes números na audiência, sendo uma das séries mais assistidas do ano. Além disso, as críticas positivas dos espectadores fizeram com que o rumor da renovação a série ocorreria, mesmo os criadores da série dizendo que “Xógum” foi pensada somente para uma temporada.

Mas para nossa alegria, “Xógum” foi renovada não para uma, mas para duas novas temporadas. E de acordo com Rachel Kondo e Justin Marks, a série agora tem liberdade criativa total, uma vez que o primeiro ano adaptou todo o livro de James Clavell. Acredito que devemos ver agora a caminhada de Toranaga para se consolidar como Xógum do Japão.

Espero que nessas duas novas temporadas, possamos ver mais das intrigas envolvendo as coroas inglesas e portuguesa, mas principalmente a questão da Igreja Católica dentro do país, já que foi nesse período da era Tokugawa, mais precisamente em 1614, que se tornou uma política oficial, a expulsão de todos os missionários e clérigos católicos e que todos os convertidos deveriam ser mortos bem como qualquer membro do clero que ousasse permanecer. O xogunato Tokugawa teve êxito ao expurgar completamente a Igreja Católica no Japão.

Se depois de tudo isso, você ainda acha que “Xógum” é só mais uma produção televisiva entre tantas, saiba que a série é a mais premiada da história do Emmy em uma única edição (2024): foram 18 estatuetas. Dessas, “Xógum’ levou as quatro principais: Melhor Série de Drama, Melhor Direção em Série de Drama, Melhor Ator e Atriz em Série de Drama.

Além disso, ela foi indicada em quatro das principais categorias do Globo de Ouro de 2025: Melhor Ator (Hiroyuki Sanada) e Atriz (Anna Sawai) em Série Dramática, Melhor Ator Coadjuvante (Tadanobu Asano ) em Série de Drama e Melhor Série de Drama. E GANHOU todas!

Bom, dito tudo isso, tenho que dizer que vale muito a pena assistir “Xógum”, e dentre as séries que assisti e falei esse ano, está entre as que tem mais chances de levar o título de Melhor Série de 2024 do Cinemaníacos!

Ficha Técnica:

Título Original: Shogun

Título no Brasil: Xógum: A Gloriosa Saga do Japão

Gênero: Drama Histórico

Temporada:

Episódios: 10

Criadores: Rachel Kondo, Justin Marks

Diretores: Jonathan van Tulleken, Charlotte Brändström, Frederick E. O. Toye, Hiromi Kamata,

Roteiro: Rachel Kondo, Justin Marks, Shannon Goss, Nigel Williams, Emily Yoshida, Matt Lambert, Maegan Houang, Caillin Puente

Elenco:                 Hiroyuki Sanada, Cosmo Jarvis, Anna Sawai, Tadanobu Asano, Takehiro Hira, Tommy Bastow, Fumi Nikaido

Companhias Produtoras: Gate 34, Michael De Luca Productions, FXP

Transmissão: Disney+

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Publicado por Marcelo Santos

Quase biólogo, formado em Administração. Maníaco desde criança por filmes e séries. Leitor assíduo de obras de ficção, terror, fantasia e policial.

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