Os jogos de videogame e computador estão entre um dos mercados, senão, o mercado de entretenimento mais lucrativo atualmente, movimentando bilhões de dólares (em 2019, foram US$152 bilhões). Por esse motivo, Hollywood tenta emplacar adaptações cinematográficas dos jogos mais conhecidos e comentados.
Uma das maiores reclamações dos gamers é falta de respeito com o material original. Mas esse público específico se mostrou muito difícil de agradar, pois até mesmo quando temos filmes que adaptam de forma bastante fiel a história dos jogos, eles não caem no gosto desse povo chato. E apesar de muitos pontos positivos, talvez o maior exemplo disso (e nesse caso, com razão) seja o longa-metragem “Warcfaft” (que aqui no Brasil, para variar, ganhou o subtítulo LIXO de “O Primeiro Encontro de Dois Mundos, e que me recuso a ficar repetindo nessa resenha, ).
Com o envolvimento direto da Blizzard, produtora do jogo, a primeira decisão foi contratar Duncan Jones para dirigir “Warcraft”, que declarou ser um fã do game e um jogador viciado do título. A escalação de Duncan Jones para capitanear essa adaptação cinematográfica foi acertadíssima, pois se a Blizzard queria fidelidade nos cinemas, nada melhor do que contratar um conhecedor e consumidor de “Warcraft”.
“Warcraft” transcreve com uma fidelidade absurda tantos eventos (a chegada dos Orc a Azeroth ou o mistério por trás da magia vil), como locais (Karazhan, Ventobravo e Kirin Tor) presentes no jogos. A adaptação cinematográfica mostra um respeito muito grande ao que vi jogando os três primeiros títulos e ou com que li a respeito da história e mitologia do game.
Além dessa verdadeira transcrição do que está presente nos games, “Warcraft” é um dos filmes de fantasia mais bonitos visualmente que já assisti. As cores saturadas que vemos nos cenários e paisagens de Azeroth e até mesmo no vestuário dos personagens enchem nossos olhos e dão a impressão de que estamos vendo os gráficos de altíssima qualidade do game redenrizados em placas de vídeo Nvidia 18560 Plus Mega Power ou Radeon 3600 Gold Master Premium (hehehhehehehehe).
Outro fator que mostra o esmero com o aspecto visual de “Warcraft” é a quantidade e a qualidade absurda de detalhes nas vestimentas e adereços que os personagens usam, sendo o maior exemplo disso as armaduras e material bélico usado pelo exército de Azeroth. Sempre que assisto ao longa-metragem, fico encantado com as insígnias e os brasões de leão (símbolo de Azeroth) e vários e vários outros pormenores em espadas, escudos, peitoral, ombreiras, e até mesmo um elmo em formato de cabeça de leão do rei Llane Wrynn (Dominic Cooper). Não conheço, e acredito que não tenha, nenhum outro filme de fantasia, e até mesmo de outros gêneros, com essa minuciosidade tão grande e tão bem-feita.
Agora, nada se compara ao cuidado extremo que tiveram com o aspecto visual dos Orc. O diretor Duncan Jones que é um jogador assíduo de “Warcraft” e tem uma paixão por essa raça do game, utilizou captura de movimentos para dar aos vida integrantes da Horda, como Gul’dan e outros de aspectos mais bestial, e essa técnica de CGI e maquiagem para dar vida aos Orc com fisionomia um pouco mais humana, como Durotan, Orgrim Doomhammer e Blackhand (alguns atores, como Toby Kebbell e Clancy Brown usaram caninos de até 15 cm na boca). Até a movimentação desses seres foi pensada, mostrando um andar e gestos pesados e vigorosos.
O elenco de “Warcraft” também é muito bom, com bons atores e atrizes como Paula Patton, Dominic Cooper, Toby Kebbell, Robert Kazinsky, Daniel Wu, Ruth Negga e Glenn Close (que empresta as feições e a voz para dar vida a Alodi).
A única escalação completamente errada foi a de Travis Fimmel, que ficou conhecido pelo admirado e controverso Ragnar Lothbrok da série “Vikings”, para interpretar o herói do filme, Anduin Lothar. O ator dá um ar de louco com seus olhares esbulhados, sorrisos maníacos e trejeitos esquisitos, que no rei dos reis dos vikings combina perfeitamente, mas para o comandante geral do exército de Azeroth não faz o menor sentido.
“Warcraft, com essa fidelidade extrema à narrativa do jogo, com essa qualidade visual absurda e detalhista, com essa excelente utilização do CGI e maquiagem e bons atores e atrizes tinha tudo para ser um sucesso de bilheteria e conquistar seu espaço dentre o rol de filmes de fantasia mais icônicos e épicos do cinema, correto? Errado!
O grande problema para a adaptação cinematográfica da Blizzard não ser um sucesso de crítica e bilheteria foi focar demais no aspecto visual, que é impecável, e não trazer um roteiro que trouxesse as emoções necessárias para encantar os espectadores e engajá-los.
“Warcraft” é desprovido de emoção e peso em toda e qualquer situação apresentada durante os 123 minutos de exibição. Gul’dan e a energia vil são ameaças assustadoras, não só por trazerem a Horda para Azeroth mas por sugar a energia vital dos vivos e abrir as portas para seres mais obscuros e poderosos. Mas o medo e apreensão perante tais perigos não existe. O espírito de liderança e respeito declarado durante todo o filme sobre Durotan e Lothar, não existe. Situações como a morte e funeral do rei Llane Wrynn ou a morte do filho de Lothar, que deveriam expressar tristeza e pesar, não expressam nada.
O que quero dizer com as situações ilustradas acima, é que o roteiro de “Warcraft” é desprovido de emoções, e essa ausência completa de sentimentos não envolve e conquista os espectadores, que apesar de ficar encantado com a parte visual, acaba não comprando a história apresentada no filme.
Essa ausência total de sentimentos fez-se refletir nas críticas negativas (Helen O’Hara, resenhando “Warcraft” para a revista britânica GQ Magazine , afirmou que embora o filme em si seja uma” forte adaptação de ‘Warcraft’, o roteiro diminui o impacto do filme:”) e na bilheteria doméstica baixa (dos US$ 439 milhões arrecadados mundialmente, somente US$ 47,4 milhões vieram dos Estados Unidos). Esse valor dentro do território estadunidense foi um banho de água fria para os planos traçados pela Universal e Duncan Jones de uma franquia cinematográfica nos moldes dos games (que possuem vários capítulos). Mas essa baixa arrecadação paralisou principalmente o desejo da Blizzard em levar para as telonas outras franquias como “Starcraft” e “Diablo” (esse último jogo será adaptado para um anime pela Netflix e pelo estúdio de animação responsável por “Castlevania” e “Sangue de Zeus”.
Porém existe uma leve esperança em uma possível sequência para “Warcraft”, pois além do filme ser a adaptação cinematográfica de um game mais lucrativa do cinema, o mercado chinês o recebeu muito bem, com 67% das salas de exibição chinesa reservadas para o longa-metragem e responsável por mais de 50% de toda a arrecadação mundial (a China é o segundo maior mercado cinematográfico do planeta). E justamente por esses números e pelos apelos dos chineses por um novo filme de “Warcraft”, que a Universal e a Blizzard deixam o caixão aberto dessa franquia cinematográfica.
Enfim, “Warcraft” é visualmente um dos filmes mais bonitos, não só do gênero da fantasia, mas de qualquer gênero cinematográfico. Mas essa beleza e detalhismo visual, não emocionam o espectador, justamente por não possuir emoção alguma. Na verdade, “Warcraft” me remete a um sentimento: tristeza, pois o longa-metragem é baseado em uma franquia de games com uma mitologia riquíssima.
Mesmo desprovido de sentimentos, digo que vale a pena assistir “Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos”.
Ficha Técnica:
Título Original: Warcraft
Título no Brasil: Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos
Gênero: Fantasia, Aventura
Duração: 123 minutos
Direção: Duncan Jones
Produção: Charles Roven, Alex Gartner, Thomas Tull, Jon Jashni, Stuart Fenegan
Roteiro: Charles Leavitt, Duncan Jones
Elenco: Travis Fimmel, Paula Patton, Ben Foster, Dominic Cooper, Toby Kebbell, Ben Schnetzer, Robert Kazinsky, Clancy Brown, Daniel Wu, Ruth Negga, Anna Galvin, Glenn Close, Chris Metzen
Companhias Produtoras: Legendary Pictures, Blizzard Entertainment, Atlas Entertainment, China Film Group, Tencent Pictures, H. Brothers, Taihe Film
Distribuição: Universal Pictures