SINOPSE: Mickey Barnes (Robert Pattinson), é um “descartável”: integrante designado a tarefas perigosas, que ao morrer, têm suas memórias transferidas para um novo corpo. Em uma missão suicida para colonizar o planeta gelado de Niflheim, Mickey 17 é declarado morto após seu amigo Timo (Steven Yeun) informar que ele foi devorado pelos rastejadores, criaturas nativas do planeta. Porém Mickey 17 é libertado pelos rastejadores e retorna a colônia. Chegando lá, ele descobre que foi copiado e dá de cara com Mickey 18. Isso gera um problema, pois ambas cópias e todas suas memórias podem ser eliminadas devido a Lei dos Múltiplos.
Quando foi anunciado “Mickey 17”, fiquei bastante empolgado por causa de dois nomes envolvidos: Robert Pattinson e Bong Joon-ho. Já falei sobre Pattinson em resenhas anteriores, mas só para lembrar que ele não é somente o vampiro brilhoso da saga “Crepúsculo”, mas um dos atores mais talentosos de Hollywood, com atuações incríveis. Se dúvida, então assista “O Farol”, “High Life”, “Cosmopolis”, entre tantos outros filmes em que participou, para comprovar sua versatilidade e talento.
Já Bong Joon-ho é o diretor de “Parasita”, fenômeno cinematográfico que arrebatou, com total merecimento, as três principais categorias do Oscar em 2019: Melhor Filme, melhor Roteiro Original e Melhor Direção, além de Melhor Filme Estrangeiro. Mas em sua filmografia a outros exemplares de sua capacidade incrível em dirigir e trazer grandes histórias como “O Expresso do Amanhã”, “Okja” e “O Hospedeiro”.
Após um hiato de quase seis anos, Bong Joon-ho traz “Mickey 17”, adaptação do livro “Mickey 7” de Edward Ashton, que li antes de assistir ao longa-metragem.
“Mickey 17” tem todas as características que Bong Joon-ho empregou em “Parasita”: a crítica social e o humor ácido. Digo que esses dois aspectos narrativos assemelham “Mickey 17” a “Parasita”, porque em outros filmes do diretor sul-coreano, a crítica social se faz presente, mas o humor negro não, como é o caso de o “Expresso do Amanhã”.
Essa capacidade de contar histórias recheadas de temas sérios através do humor ácido, torna “Mickey 17” um filme ágil, leve e muito gostoso de assistir. São pouco mais de duas horas de duração, mas você simplesmente não vê o tempo passar e não sente cansaço ou desinteresse. Pelo contrário, a empolgação em assistir ao longa-metragem permanece do primeiro ao último minuto de exibição.
Através do humor ácido, “Mickey 17” escancara as portas para as pessoas “descartáveis” da nossa sociedade. Mickey é um típico indivíduo abaixo da média: sem família, com um QI baixo e talvez até com alguma deficiência cognitiva, sem nenhuma ou pouca escolaridade e nenhuma especialidade. Devido a ser uma pessoa “inferior” dentro da sociedade, Mickey acaba sendo usado por tudo e por todos, inclusive pelo seu melhor amigo, Timo, e tendo que aceitar empregos “inferiores” dentro do nosso sistema.
Ao ser exposto aos mais variados riscos e situações, e descartado sem o menor remorso, “Mickey 17” mostra como a sociedade e nós mesmos, mutas vezes, não damos o devido valor às pessoas que desempenham funções vitais, mas que consideramos degradantes ou inferiores, para o funcionamento de nossas casas e cidades. Acho que o maior exemplo de como isso é mostrado no filme é como Mickey Barnes é esquecido na copiadora 3D com defeito (porque ela sempre engasga, fazendo o corpo dele voltar um pouco e depois prosseguir) e fica pendurado na boca do equipamento ou simplesmente cai no chão. Situação divertidíssima e que me fez rir, mas que demonstra o descaso com um indivíduo essencial para a sobrevivência das pessoas da colônia espacial.
Se Mickey Barnes é a caricatura das pessoas “descartáveis” da nossa sociedade, Kenneth Marshall, interpretado por Mark Ruffalo, é a paródia certeira do político imbecil, que por algum motivo inexplicável, encanta as multidões e dão a ele poder para ditar os rumos da sociedade. Qual a diferença de Barnes e Marshall? Marshall apesar de ter um QI menor que o de Barnes é inescrupuloso e ganancioso, capaz de atos maldosos para alcançar seus objetivos. Barnes é ingênuo e inocente em excesso, incapaz de machucar alguém.
Para dar vida a esses dois personagens em específico, precisamos falar de dois aspectos essenciais: roteiro e atuações. Sim, quase sempre falo de roteiro e atuações em minhas resenhas, porém em “Mickey 17”, esses dois elementos são os mais relevantes para a história.
O roteiro de “Mickey 17” é uma adaptação do livro escrito por Edward Ashton, mas são tantas mudanças, inclusive no tom, que se eu pudesse indicar esse filme para o Oscar, uma delas seria de “Melhor Roteiro Original” e não “Melhor Roteiro Adaptado”. Como disse, li a obra literária antes do longa-metragem e preciso dizer que é uma leitura bem mediana, bem “Nhéé´”.
No livro, é insinuado que Mickey Barney é um indivíduo com uma escolaridade baixa e que apresenta alguma deficiência cognitiva e que Kenneth Marhall é um militar linha dura que apesar de infeliz com o cargo designado, segue as regras de forma rígida, e exerce seu poder com mãos de ferro. O tom da obra literária é mais sério com alguns toques de humor, e apesar da ótima ideia de utilizar a clonagem em pessoas “descartáveis” e assim preservar os “mais importantes” da colônia espacial, achei uma leitura bem mediana e chegou um momento que só queria termina-lo por terminar.
O roteiro de Bong Joon-ho aproveita o cânone da história original, mas dá novas roupagens e acrescenta novos elementos que gera um dinamismo maior. Ouso dizer que, se o filme seguisse o tom e o ritmo narrativo do livro, “Mickey 17” seria bem difícil de assistir.
Vamos começar pelos títulos. Ao acrescentar mais dez cópias de Barnes “Mickey 17”, Bong Joon-ho quis mostrar como nosso protagonista é “descartável” ao ponto de três ou quatro versões suas serem usadas somente para aprimorar uma arma neuroquímica.
As novas roupagens de elementos narrativos, podem sem exemplificados pelo próprio Mickey Barnes, onde Mickey 17 é exageradamente ingênuo e pacífico e Mickey 18 é um psicopata com tendências violentas descontroladas. Os acréscimos são vários, todos necessários e que enriquecem a história, como a explicação da criação da Lei dos Múltiplos, algo inexistente no livro (pelo menos não lembro de ter encontrado essa parte na minha leitura).
Na outra ponta desse binômio, as atuações e em especial de Mark Rufallo e Robert Pattinson são espetaculares. Para dar vida a Kenneth Marshall, Mark Rufallo muda sua voz e até sua forma de movimentar, e com uma prótese dentária, alcança com méritos, o objetivo de trazer um personagem ridículo e engraçado.
Agora a atuação de Robert Pattinson nesse filme é a confirmação do seu talento. Suas interpretações dão vida a um personagem que são as mesmas pessoas e ao mesmo tempo, indivíduos diferentes. Com Mickey 17, Pattinson anda curvado, com gestos comedidos e cautelosos, uma fisionomia e voz que transmitem ingenuidade e traços de algum tipo de deficiência cognitiva. Já em Micky 18, o ator anda de forma altiva e com gestos decididos e perigosos, seu rosto duro e olhares incisivos e ameaçadores transparecem toda a loucura e sociopatia dessa cópia.
Aliás, acho que temos outro acréscimo de Bong Joon-ho em relação ao livro, ao dar a cada cópia de Mickey Barnes uma determinada característica ou traço de personalidade que se sobressai, dando assim uma diferenciação a cada Mickey, e escancarando que eles não são meros “descartáveis”, todos iguais, mas indivíduos diferentes e relevantes.
Além do roteiro incrível e das atuações ímpares de Robert Pattinson e Mark Rufallo, “Mickey 17” tem outros aspectos técnicos que impressionam, como edição e enquadramentos de cenas. Uma em especial me chama a atenção que é quando Mickey 17 está se contorcendo de dor por ter comido um pedaço de carne geneticamente modificado e enquanto todos a sua volta discutem coisas banais, Barnes passa ao fundo, capengando em um enquadramento que me pareceu que a câmera moveu somente Robert Pattinson. Isso mesmo, fiquei com a sensação de que a câmera moveu o ator e não o contrário.
Com relação às premiações, e mais especificamente o Oscar, acredito que “Mickey 17” possa ser indicado em algumas categorias tais como Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado e quem sabe, Melhor Ator para Robert Pattinson. Mas essas indicações devem vir mais pelo que Bong Joon-ho fez em “Parasita” do que em “Mickey 17” mesmo.
Me estranhou a sala relativamente vazia, mas acredito que “Mickey 17” possa sofrer do mesmo movimento que “Parasita” teve: caindo nas graças das pessoas somente a partir das críticas positivas de quem assistiu e influenciadores especializados e as indicações e vitórias em premiações que conseguiu.
“Mickey 17” é uma crítica social leve e divertida, graças ao humor ácido que Bong Joon-ho consegue empregar em suas histórias. Ao mesmo tempo que nos diverte e nos faz rir, nos faz refletir sobre o papel dos “descartáveis” em nossa sociedade e de pessoas sem capacidade nenhuma em cargos que definem todo andamento de uma sociedade.
O cinema em 2025 começou com tudo: em janeiro tivemos “Nosferatu” e agora tivemos “Mickey 17”, dois filmaços que podem ser traduzidos com uma frase: “Isso é cinema!”
Por proporcionar diversão e reflexão durante empolgantes 138 minutos, que só posso afirmar que vale muito a pena assistir “Mickey 17” e que é forte concorrente a estar no Top 3 de Melhores Filmes do Cinemaníacos de 2025!
Ficha Técnica:
Título Original: Mickey 17
Título no Brasil: Mickey 17
Gênero: Ficção Científica, Comédia
Duração: 138 minutos
Diretor: Bong Joon-ho
Produção: Dede Gardner, Jeremy Kleiner, Bong Joon-ho, Dooho Choi
Roteiro: Bong Joon-ho
Elenco: Robert Pattinson, Naomi Ackie, Steven Yeun, Toni Collette, Mark Ruffalo, Holliday Grainger, Anamaria Vartolomei, Thomas Turgoose, Angus Imrie, Cameron Britton, Patsy Ferran, Daniel Henshall, Steve Park, Tim Key
Companhias Produtoras: Plan B Entertainment, Offscreen, Kate Street Picture Company, Domain Entertainment
Distribuição: Warner Bros. Pictures