SINOPSE: O ex-soldado Mateo Núñez (Pablo Molinero) retorna à Sevilha do século XVI apenas para encontrar a fervilhante cidade ameaçada pela eclosão da peste bubônica. No passado, Mateo virou alvo da Inquisição espanhola por imprimir livros proibidos e precisou fugir de Sevilha para salvar sua própria vida. Ainda visto como um herege, ele volta ao local com uma importante missão: resgatar o filho de um amigo morto em meio à epidemia. Mas, antes que possa cumprir a promessa de localizar Valerio (Sergio Castellanos), Mateo acaba preso pelos oficiais de justiça do Inquisidor, que garantem poupá-lo caso aceite investigar uma série de crimes de conotação diabólica cometidos na cidade. Essa é a única chance de absolvição para Mateo, que logo se vê mergulhado em conflitos relacionados ao poder, política e religião.

Em 2020, a HBO e a Movistar trouxe “A Unidade”, série sobre as ameaças enfrentadas pela unidade de contraterrorismo da Espanha, que me impressionou por sua qualidade e uma história simples com foco no realismo. Em 2021, a parceria entre entre esses canais nos apresentou “A Peste”, a produção mais ambiciosa da emissora espanhola.

Aproveitando a pandemia, a HBO resolveu distribuir mundialmente “A Peste”. E aqui vale destacar que apesar do nome e da série se passar durante o surto de peste negra na cidade de Sevilha (1ª temporada), a doença não é o foco principal. Esses fatos geraram uma certa revolta nas pessoas que viram um oportunismo da Home Box Office (já que a série foi lançada em 2019 na Espanha e se, não fosse o Covid, não teria sido adquirida pela HBO), e alguns mais exaltados que acusaram o canal de propaganda enganosa.

Minha opinião a respeito disso é a seguinte: a HBO aproveitou a oportunidade e caiu no golpe quem quis e não se informou mais sobre a série.

Independentemente de ter sido oportunismo ou não, “A Peste” tem seus méritos. A série é a produção mais ambiciosa da Movistar (alguns artigos dizem que foram gastos cerca de 10 milhões de euros por temporada), e esse orçamento foi muito bem gasto. Cenários grandiosos, locações históricas, figurino de época, iluminação, fotografia: todos os aspectos técnicos são levados muito a sério e o resultado é uma recriação incrível da Sevilha do final do século XVI.

Das vielas e becos sujos às grandes e ricas ruas, dos barracos paupérrimos aos luxuosos salões e palácios de Sevilha; a ambientação da série realmente me impressionou. Até pequenos detalhes como as cenas noturnas iluminadas somente por velas e tochas me transportaram para essa que era a maior cidade da Espanha e porta de entrada da Europa no século XVI. Por isso, parabenizo o trabalho de pesquisa histórica para trazer da forma mais fiel possível a sociedade espanhola dessa época.

Foi interessante descobrir que a prostituição era uma atividade legal desde que realizada dentro dos estabelecimentos e que se pagasse os impostos, bem como mostrar que a cidade era administrada por um conselho formado por representantes das famílias mais proeminentes e tradicionais.

Outras questões mais conhecidas também são apresentadas como a associação da peste negra a uma ação do Diabo e que somente Deus e a religião poderiam salvar as pessoas, e que os tratamentos existente, muitas vezes eram vistos como bruxaria e passível do praticante ser sentenciado à fogueira.

Aliás a temática da primeira temporada da “A Peste”, foca bastante na superstição que permeava todas pessoas, ricas e pobres, da cidade e na força e influencia que a Igreja empregava na sociedade de Sevilha nessa época. Esses dois aspectos são as forças motrizes que movimentam toda a trama do primeiro ano da série.

Nesse cenário, conhecemos Mateo, um excomungado pela Igreja devido as suas ideias e atitudes a respeito da fé. Mas por sua inteligência e sua capacidade analítica, é convocado pela Inquisição Espanhola para desvendar o mistério que cerca uma série de assassinatos ritualísticos: cadáveres que foram empalados são encontrados sem sangue e parecem ter sido obra de uma criatura demoníaca. Esses crimes tem o objetivo de trazer de volta uma espécie de religião protestante baseada nas ideias publicadas pelo próprio Mateo.

Em paralelo a esses crimes, temos Luis de Zúñiga (Paco León), melhor amigo de Mateo, um comerciante emergente de Sevilha que manipula, chantageia e suborna para manter o porto da cidade aberto, mesmo com a peste negra, para concluir uma transação comercial.

A primeira temporada também fala de preconceito entre ricos e pobres e até entre ricos emergentes e ricos de famílias tradicionais, e mostra a situação de impotência e inferioridade a que as mulheres eram submetidas nessa época (a parte em que Teresa Pinelo precisa repassar a gerência de sua própria fábrica para um homem por ser mulher é um exemplo).

A segunda temporada muda completamente o foco ao colocar Mateo tendo que enfrentar La Garduña, uma organização criminosa que controla todas as ruas de Sevilha e que não teme nenhuma autoridade. À medida que Mateo vai entrando mais e mais fundo nesse submundo, descobrimos que La Garduña tem associações poderosas (como diria o Capitão Nascimento: “O sistema é foda.”).

Essa mudança da superstição, fé e religião para violência, extorsão e alianças entre o submundo do crime e setores e famílias proeminentes é muito bem-vinda.

Tanto o primeiro como o segundo ano são competentes em termos narrativos. Ou seja, a história mesmo não apresentando nenhuma grande novidade ou algo de grande impacto, é bem escrita e bem desenvolvida. Porém vale destacar que nenhum dos finais de temporada traz um happy end, com Mateo amargando e tendo que engolir a seco a resolução que suas investigações trazem (parafraseando novamente o Capitão Nascimento: “O sistema é foda!”). Outro ponto que impressiona é a queima dos condenados por heresia e de praticar o protestantismo: um espetáculo sujo e brutal. E o desespero das pessoas à medida que se aproxima de serem incinerados vivos é muito bem transmitido.

E a peste que dá nome ao título? Bom, ela é um elemento que chega a ter importância na história da primeira temporada, mas que no segundo ano é completamente deixado de lado.

Quanto aos personagens, somente Baeza (Jesús Carroza) merece destaque. A construção e desenvolvimento de sua história o destacam dos demais, ao mostrar uma pessoa que nasceu e viveu sempre nas ruas e que aproveita todas as oportunidade, não se preocupando com lealdade ou amizade. E mesmo quando Baeza se mostra um traíra, torci por ele.

“A Peste” não traz uma história realmente empolgante, mas surpreende pelo cuidado em recriar da forma mais precisa possível, a Sevilha do século XVI. Além disso, aborda algumas questões bem interessantes como a religião se aproveitava da superstição que permeava a sociedade da época, bem como a disparidade imensa entre ricos e pobres e o brutal preconceito contra as mulheres.

Gostei de ter assistido à série, e por isso digo de que vale a pena ver “A Peste”.

Ficha Técnica:

Título Original: La Peste

Título no Brasil: A Peste

Gênero: Drama Histórico, Policial

Temporadas: 2

Episódios: 12

Criador: Alberto Rodríguez, Rafael Cobos

Produtores: Domingo Corral, José Antonio Félez, Manuela Ocón, Carmen Torres

Diretor: Alberto Rodríguez, David Ulloa, Paco R. Baños

Roteiro: Rafael Cobos

Elenco: Pablo Molinero, Sergio Castellanos, Paco León, Manolo Solo, Jesús Carroza, Tomás del Estal, Antonio Gil, Cecilia Gómez, Lupe del Junco, Patricia López Arnaiz, Nya de la Rubia, Paco Tous, Manuel Morón, Victor Quintero, Antonio Dechent, Julián Villagrán, Melina Matthews, Miko Jarry, Óscar Corrales, Carlo D’Ursi, Ignacio Herráez, Alejandro López Estácio, Alejandro Pantany, Luis Callejo

Companhias Produtoras: Atípica Filmes, Movistar +

Transmissão: Movistar + (Espanha), HBO (Brasil)

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Publicado por Marcelo Santos

Quase biólogo, formado em Administração. Maníaco desde criança por filmes e séries. Leitor assíduo de obras de ficção, terror, fantasia e policial.

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