O Mal Nosso de Cada Dia de Donald Ray Pollock

SINOPSE: Em uma cidade esquecida no interior de Ohio, a esposa de Willard Russell está à beira da morte, não importa o quanto ele beba, reze ou faça sacrifícios e oferendas. Com o passar dos anos, seu filho Arvin, uma criança negligenciada, torna-se um homem frio e cruel. Em torno deles, circula um nefasto e peculiar grupo de moradores: um insano casal de assassinos em série, um pastor que come aranhas e um xerife corrupto, todos entrelaçados numa viciante narrativa da mais corajosa e sombria lavra americana.

A Darkside revolucionou o mercado editorial brasileiro, trazendo livros e quadrinhos com uma trabalho gráfico que até então era visto pelas concorrentes como luxo e aumento dos custos (capa dura, pinturas trilaterais, fitilho). Mas a verdade é que 90% das histórias de suas obras literárias não acompanham o mesmo nível de qualidade que se vê na parte gráfica. Fato que não preocupa a editora, já que possui uma base gigantesca de fãs. Mas de vez em quando, no meio de tanto história mediana, nos deparamos com livros que nos surpreendem. “O Mal Nosso de Cada Dia” foi uma dessas surpresas.

O escritor Donald Ray Pollock traz um cenário que já vimos em outras obras literárias: cidadezinhas estadunidenses decadentes onde a perspectiva (quando existe) para quem mora nelas é a pior possível. Os personagens são os piores possíveis, seja por viverem nesses locais, seja por educação ou a mescla desses dois fatores. Mas a forma como o autor trabalha essas duas questões é impressionante, pois por mais que vejamos clichês narrativos, parece que estamos diante de algo novo e diferente.

Os personagens apresentados em “O Mal Nosso de Cada Dia” possuem sonhos e ambições (como irem morar em cidades grandes, conseguir bons empregos, constituir famílias como as que aparecem nas capas de revistas), mas em nenhum momento eles sequer tentam buscá-los. As falhas de caráter são os guias espirituais dessas pessoas que simplesmente aceitam e até gostam da vida medíocre e violenta que levam. Como diz a sinopse, esse livro está repleto de personagens desagradáveis, sendo Emma Russell a única exceção (apesar de também ter seus defeitos).

Através desse panteão desprezível de pessoas, Donald Ray Pollock mostra de forma escancarada a avareza, a crueldade, a violência, a mesquinharia, a antipatia, a apatia, e outras falhas da índole humana. Alguns personagens são sociopatas, pois matam caroneiros ou praticam pedofilia como se fossem atos cotidianos como ver TV ou escovar os dentes. Mas no meio de tanta gente que é e gosta de ser ruim, temos aquelas que não são más, mas que acabam sendo colocadas no mesmo balaio, por não terem tido outros exemplos e educação além daqueles tortuosos com os quais foram criados. Nesse grupo eu citaria Arvin, que foi educado pelo seu pai que diz que “tem um monte de filhosdumaputa que não presta por aí” e que “só tem que esperar a hora certa”. E quando chega o momento certo, ele extravasa toda sua fúria e violência contra os filhosdumaputa (com direito a sacos na cabeça em um desses espancamentos). Forçando a barra (e forçando muito), diria que Arvin seria o “mocinho” de “O Mal Nosso de Cada Dia”.

Donald Ray Pollock traz personagens muito bem construídos, que por mais detestáveis que sejam, é impossível não se prender a história deles. Além dessa capacidade de compor personalidades tão complexas, o escritor também mostra uma inteligência acima da média ao enlaçar as tramas individuais de cada uma das pessoas apresentadas no livro.

A escrita de Donald Ray Pollock é rápida e direta, fazendo de “O Mal Nosso de Cada Dia” um verdadeiro vira-páginas. Com capítulos curtos, informações e fatos colocados na medida e no lugar certo, a leitura desse livro se torna algo compulsivo, de forma que o devoramos rapidamente. Terminei de ler essa obra em apenas 2 dias e em nenhum momento senti que estava atropelando a história ou deixando passar algo importante.

O livro de estreia de Donald Ray Pollock traz uma história tensa, perturbadora e viciante, com personagens que por opção (ou a falta dela) preferem viver no espectro do que há de pior na alma humana. Quem diria que seria uma publicação lançada pela Darkside que se tornaria a minha melhor leitura de 2020 até o momento. Vale muito, mais muito a pena ler “O Mal Nosso de Cada Dia”!

Ficha Técnica

Título Original: The Devil All The Time

Título no Brasil: O Mal Nosso de Cada Dia

Autor: Donald Ray Pollock

Tradutor: Paulo Raviere

Capa: Dura

Número de páginas: 304

Editora: Darkside

Idioma: Português

 

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Publicado por Marcelo Santos

Quase biólogo, formado em Administração. Maníaco desde criança por filmes e séries. Leitor assíduo de obras de ficção, terror, fantasia e policial.

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